Alma Negrot, artista visual da maquiagem e da performance, interpreta divindades e simbologias que são a cara do nosso tempo
por Alexandre MakhloufAtualizado em 29 jul 2020, 11h40 - Publicado em
1 jun 2020
08h00
–(Clube Lambada/Ilustração)
alar sobre religião, deuses e entidades espirituais sempre requer cuidado, passa por certo tabu. Cada doutrina tem seus dogmas, estabelecidos há milhares de anos e passados de geração em geração, se propagando ao longo dos séculos, permanecendo relevantes independentemente do modelo governamental, do estrato social e da situação do mundo.
Por isso, antes de mais nada, é preciso dizer que existe um profundo respeito e uma enorme felicidade ao estrear a Elástica com este ensaio que você vê aqui. Inicialmente, queríamos recriar divindades existentes de uma forma contemporânea, com elementos atuais que reforçassem o que cada uma delas representa. Pensamos em Iansã, na Virgem Maria, em Jaci (a deusa Lua na mitologia tupi). Em Nefertiti, Kali, Shiva. E sabíamos que a pessoa ideal para tirar nossa ideia do papel era Alma Negrot, maquiador, performer e drag queen que se destaca na noite paulistana por seus looks maximalistas, extravagantes e, quase sempre, muito conceituais.
Para nossa surpresa, Alma pegou nossas referências e bateu tudo num liquidificador criativo e criou seis divindades que falam sobre tudo. Moda, religião, sustentabilidade, sagrado. Beleza, fantasia, misticismo, sombra. Em vez de tentarmos detalhar e expressar o processo criativo desse artista, nada mais justo do que dar a ele a palavra para explicar suas criações. Confira, abaixo, o manifesto escrito por ele sobre as criaturas divinas, maravilhosas, criadas para nossa estreia.
Deus: modo de fazer
Conheça algumas das inspirações e provocações de cada uma das nossas divindades
1/6 Azul é paz, é tranquilidade, mas pede respeito. O mar é a morada de Iemanjá, e não estamos cuidando bem dele. Nossa rainha do mar é também a Nossa Senhora do lixão, que transforma violência em beleza e opulência. É Kali, que cria, preserva, salva e destrói. Mergulhamos nas águas profundas de nós mesmos para encontrá-la. Afinal, é da dor e da adaptação que sempre nasceram as pérolas (Breno da Matta/Fotografia)
2/6 Mãe natureza. É da terra que vem nosso sustento, é da floresta que vem o combustível que nos mantém vivos. Flores e frutos. adoçam a boca e acalentam o coração que viola nossas matas, que enche de plástico e outros produtos humano o corpo de Gaia. Folhas cobrem mãos, braços, pernas e pés na esperança de curá-los O masculino e o feminino de Oxumaré coexistem em nós, em perfeição (Breno da Matta/Fotografia)
3/6 Arte é manifestação divina, é criar, a partir de quem somos, algo maravilhoso para todos observarem. Tintas, pincéis, luzes, pedras – tudo pode ser arte com o poder da criatividade. Brahma, o deus da criação e do intelecto, nos lembra com seus quatro rostos o poder de ser múltiplo. Você já pensou em como colocar todo o brilho de dentro para fora? As musas da Grécia Antiga estão em todo lugar (Breno da Matta/Fotografia)
4/6 Vermelho é fogo, fome, sangue, paixão. É guerra que acontece do lado de dentro e amor que transborda. Esquecemos que o profano já foi divino. Xangô e Ogum nos inspiram, mas Hades e outros deuses do submundo também. Lembramos que só pode existir luz se houver sombra e cultuamos também o lado oculto. Queremos respostas, mas precisamos encontrar primeiro as perguntas (Breno da Matta/Fotografia)
5/6 A escuridão da noite nos prepara para receber um novo dia. É o momento de parar e recuperar-se. Jaci, deusa lua tupi, é a fonte de luz que guia essa jornada. Para os gregos, a deusa Psiquê é a personificação da alma, a parte mais íntima de cada um. Como na metamorfose das borboletas, é no escuro que olhamos para dentro para nos transformamos em uma versão melhor (Breno da Matta/Fotografia)
6/6 O belo pode vir de qualquer lugar. Da sucata, dos descartes, das frivolidades do cotidiano. Ignoramos as pequenas peças que compõem nosso dia a dia e não vemos a beleza possível que surge ao combiná-las. A boa fortuna de Hórus, no antigo Egito, está em tudo, se olharmos com cuidado. Mais do que nunca, precisamos entender que é hora de mudar nosso conceito de luxo (Breno da Matta/Fotografia)
Essa reportagem fica ainda mais gostosa de ler se você apertar play:
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E L Á S T I C A A P R E S E N T A
Divino maravilhoso,
por Alma Negrot
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Azul. Paz, tranquilidade, respeito. Iemanjá, Nossa Senhora, beleza e opulência. Kali, cria, preserva, salva e destrói. Dor. Adaptação. Pérolas. (Breno da Matta/Fotografia)
Estamos enfermos e cansados, sedentos por remédios. As promessas que nos fizeram de um mundo ideal são inalcançáveis e soam cada vez mais distantes. Já não temos mais em quem acreditar.
–(Breno da Matta/Fotografia)
As religiões, corrompidas pelo poder, falharam. A razão a serviço do sistema também falhou. Frente a um cenário catastrófico, buscamos nos afundar na lama da normalidade.
Mãe natureza. Terra, floresta, vida. Flores, frutos, plástico, Gaia. Folhas, braços, mãos, pernas e πes. Cura. Masculino e feminino. Oxumaré. (Breno da Matta/Fotografia)
Alcançar a liberdade em um sistema de servidão é impossível, mas podemos experimentar seu estado mais puro quando vencemos o medo e nos permitimos viver magicamente.
–(Breno da Matta/Fotografia)
Perceber o cotidiano como um ritual pode ser a cura para uma sociedade de sentidos amortecidos e doentes.
O belo pode vir de qualquer lugar. Sucata, descartes, frivolidades. Boa fortuna, Hórus, antigo Egito. O que é luxo para você? (Breno da Matta/Fotografia)
O olhar sensível para o corpo e para as coisas se opõe à inércia e à morte – logo, produz vida. Quando depositamos desejo em nossas ações, estamos evocando feitiços, e isso não depende de doutrinas.
–(Breno da Matta/Fotografia)
A vida é uma possessão que se manifesta no corpo. Por isso, quando dançamos, estamos praticando a mais alta bruxaria.
Escuridão, pausa, noite, cura. Jaci, deusa lua tupi, guia a jornada. Psiquê, personificação da alma, borboleta em metamorfoso. Escuro, ego, transformação. (Breno da Matta/Fotografia)
Com a expansão da informação e a globalização da espiritualidade, hoje é possível se conectar com sincretismos de maneira pluricultural, já que estamos em intercâmbio constante.
–(Breno da Matta/Fotografia)
A partir dessa nova realidade fragmentada, como resolver nossa relação com espiritualidade?
Arte, manifestação divina. Tintas, pincéis, luzes, pedras. Criatividade. Brahma, criação e intelecto. As musas da Grécia Antiga estão em todo lugar (Breno da Matta/Fotografia)
Ao criar uma série de entidades oferecendo meu próprio corpo como suporte, estou evocando lugares mágicos que me perpassam e me permitindo a possessão. Por Bispo do Rosário, Gaia, Kali, Lilith, Estamira, Alexander McQueen, o Mar e a Lua.
–(Breno da Matta/Fotografia)
Sagrados ou banais, são símbolos que podem estar escancarados ou ocultos, mas que honestamente não formam entidades definidas. As potências que elas evocam partirão da relação do espectador com as imagens, ativando sua memória e tocando seus lugares mágicos.
Vermelho. Fogo, fome, sangue, paixão. Guerra por dentro, amor por fora. Profano que era divino. Xangô, Ogum, Hades. A luz não existe sem a sombra. (Breno da Matta/Fotografia)
“Os loucos são como beija-flores: estão sempre a dois metros do chão. Os artistas também. O que os diferencia, não sei. Só sei que, mas por uma razão ou por outra, sou um beija-flor.”
Artur Bispo do Rosário
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As imagens que você viu nessa reportagem foram feitas por BRENO DA MATTA. Confira mais de seu trabalho aqui.
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