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Não é “confusão”, “indecisão”, “moda” ou “promiscuidade”. A bissexualidade é uma orientação sexual e, assim como as muitas outras e as identidades de gênero que compõem a sigla LGBTQIA+, tem suas particularidades. Apesar dos avanços nas discussões contra qualquer tipo de preconceito, o grupo representado pela letra “B” ainda permanece invisibilizado em toda a sociedade, estruturalmente monosexista, e também dentro da própria comunidade. “O nosso lugar não é o do ‘meio termo’. Eu não sou ‘meio hétero’ e ‘meio gay’, ou 25% gay e 75% hétero. Eu sou 100% bissexual”, afirma o massoterapeuta e estudante de psicologia Guilherme Rangel, de 25 anos.
“O nosso lugar não é o do ‘meio termo’. Eu não sou ‘meio hétero’ e ‘meio gay’, ou 25% gay e 75% hétero. Eu sou 100% bissexual”
Guilherme Rangel
A visão estereotipada e a exclusão de bissexuais têm impactos em sua saúde mental. De acordo com o estudo Bisexuality, mental health and media representation – Bissexualidade, saúde mental e representação na mídia, em tradução livre, – de Hannah Johnson, publicado em 2016, mais de um terço dos homens bissexuais e quase metade das mulheres bissexuais já consideraram ou tentaram suicídio. Em relação ao gênero feminino, elas são 5,9 vezes mais propensas a cometer suicídio do que as heterossexuais.
A bifobia, termo utilizado em referência ao preconceito contra esse grupo, se dá a partir de agressões físicas ou verbais, entre outras. “Eu achei que você fosse homem de verdade” – foi a frase que Guilherme ouviu de uma mulher cisgênero heterossexual durante uma festa em Niterói, no Rio de Janeiro. Para ele, o comentário representou uma violência psicológica, pois o diminuiu e o fez questionar-se sobre a relação com o próprio corpo e com os demais. “Isso mexeu com minha autoestima e trouxe à tona o seguinte questionamento: como homem cis bi, posso satisfazer as pessoas emocionalmente e sexualmente? Foi um processo me libertar desse pensamento bifóbico”, completa.
Esse tipo de discriminação é disseminado, principalmente, por mulheres heterossexuais, segundo o estudante. Por isso, ele ficou algum tempo sem sair com mulheres, uma vez que acreditava que “não era o bastante” para elas. Felizmente, Guilherme venceu essa série de estereótipos graças a muita terapia e, hoje, é muito feliz e confortável com sua bissexualidade. “Muitas meninas, ao me verem beijando um homem ou descobrirem minha orientação sexual, desistem de ficar comigo, mesmo após demonstrarem interesse. Mas eu não sou ‘menos homem’ por ficar com pessoas de todos os gêneros”, reflete.
Entender-se como bissexual teve relação direta com a percepção sobre a interseccionalidade entre racismo e bifobia. “Enquanto homem negro bi, sofro com a hipersexualização, tanto em uma expectativa de performance de masculinidade heteronormativa, como a respeito de um alto nível de preconceito contra bichas pretas”, reitera o massoterapeuta. “Ser homem preto e bi é ser invisibilizado duas vezes, já que as pessoas não te enxergam como ser humano. Quando você é negro, se torna objeto sexual. Quando você é bi, é tratado como promíscuo ou indeciso”, acrescenta. Entrar em contato com sua bissexualidade foi compreender que ele pode ser quem quiser.
“Ser homem preto e bi é ser invisibilizado duas vezes, já que as pessoas não te enxergam como ser humano. Quando você é negro, se torna objeto sexual. Quando você é bi, é tratado como promíscuo ou indeciso”
Guilherme Rangel
Militante de causas étnico-raciais e futuro psicólogo, Guilherme costuma falar sobre o assunto a partir da lógica da interseccionalidade com outras causas, incluindo sexualidade, gênero e a forma como nos relacionamos. Recentemente, o ocorrido com o participante Lucas Koka Penteado, do Big Brother Brasil, lhe despertou um gatilho. “Esse dia foi extremamente difícil, só quem estava ao meu lado sabe meu sentimento. Tudo isso representou o que aconteceu comigo no passado”, diz. Para ele, a história do ex-BBB é repleta de complexidades. Primeiro porque “ele não era bissexual assumido para a família e amigos”; em segundo lugar, “por ser um homem negro de quebrada”; por último, porque não demonstrou carinho por outro cara heteronormativo como ele, mas sim, por Gilberto, “um homem negro, gay e afeminado”.
Para o estudante, as reações dentro do reality mostraram de que forma a sociedade e a comunidade LGBTQIA+, muitas vezes, reagem à bissexualidade de homens como eles. “Na mesma intensidade que essa pressão psicológica me corta, também motiva a me esforçar para fazer um bom trabalho em minha futura profissão.” Hoje, Rangel não tem receio em demonstrar carinho e afeto. “Não tenho motivos para esconder o que eu sou e quero espalhar amor de verdade por aí. As coisas são complicadas, sim, mas espero que outros pretinhos, assumidos ou não, sejam fortes para lidar com esse processo”, finaliza.