alar sobre cinema, entretenimento e cultura é um dos meus temas favoritos. Estudo os cinemas indianos desde 2011 exatamente porque acredito que esse é um dos assuntos que mais abrem espaço para entender essa cultura tão complexa. O cinema é, além de uma forma de arte, um importante construtor cultural. Ele apresenta tecnologias disponíveis, quais suas relações com os outros cinemas mundiais e, principalmente, quais as discussões e pautas que se espelham e refletem a política nacional do momento.
O cinema chegou na Índia e abalou as estruturas da sociedade desde o seu início. Como em todo o mundo, era uma arte para elites coloniais e gerava grande comoção. Porém, com o passar das primeiras décadas, os rolos de filme chegaram em vilarejos e em cinemas de tendas de eventos itinerantes. Foi assim que, no começo da década de 1910, Govind Phalke, o primeiro cineasta indiano, tomou conhecimento desse meio de comunicação e teve a brilhante ideia de utilizá-lo de forma educativa, buscando re-ensinar a cultura e valores hindus, que estavam há anos sob poder do Império Britânico, de volta para a população através das imagens em movimento.
Em 1913, Phalke lançou seu primeiro filme, o Raja Harishchandra, que trazia contos mitológicos para as telas – que, até então, só apresentavam histórias européias ou jornalísticas sobre a Índia. Nessa mesma época, a Índia passava por grandes mudanças políticas em vigência do levante de movimentos anti-coloniais e em prol de uma possível independência. É nesse momento que surgem figuras como Jawaharlal Nehru e Mahatma Gandhi, dois líderes e ativistas políticos chaves para a emancipação indiana através de uma lógica nacionalista. Antes disso, em 1906, inicia-se o movimento Swadeshi (etimologicamente, significa a tradução do sânscrito para swa: “próprio”, “domínio” e desh: “país”, resultando em “do próprio país”) – e, muito influenciado por esse pensamento, Phalke deu um caráter intrinsicamente nacionalista ao emergente cinema indiano.
“Govind Phalke, o primeiro cineasta indiano, teve a brilhante ideia de utilizá-lo de forma educativa, buscando re-ensinar a cultura e valores hindus, que estavam há anos sob poder do Império Britânico, de volta para a população através das imagens em movimento”
Juily Manghirmalani
A Índia tornou-se completamente independente só em 1947, entrando em um modelo protecionista socialista até 1991, quando uma enorme crise econômica fez com que o governo abrisse seus portos para economias externas, entrando em contato com o intercâmbio global capitalista. O que ocorre nesse processo todo, entre a estruturação do cinema feito por indianos e as negociações mundiais, é uma batalha interna por órgãos estatais em busca de um controle sobre essa arte, o que só reforça sua potência como formadora de pensamento.