Na última segunda-feira, 22, a dupla francesa Daft Punk anunciou sua separação, e quem parece ter mais lamentado o fim da carreira de Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter foram os fãs do indie rock. É claro que a cena da música eletrônica também reagiu com tristeza, mas o que assisti nas redes sociais foram pessoas completamente alienadas ao gênero chorando por baladas que nunca nem curtiram. Gente que abomina desde os mais pops do gênero, como o garoto prodígio Alok, até as raves underground – sempre taxadas como festas de doido com som intragável.
Mas, embora pareça uma reação completamente dicotômica, isso parece explicar muito sobre a importância do Daft Punk no imaginário popular de uma geração que cresceu ouvindo “One More Time” e chegou na casa dos trinta embalada pelo hit chiclete “Get Lucky”, que tem Pharrell Williams nos vocais.
O Daft Punk surgiu na primeira metade dos anos 1990 na França e fez parte de um movimento de artistas que ficou conhecido mundialmente como Superstar DJs – termo maximizado pelo duo britânico Chemical Brothers naquela que talvez seja a música mais conhecida da geração, “Hey Boy Hey Girl”. Os Superstar DJs eram quase todos britânicos, entre eles Carl Cox, a dupla Underworld, e Fatboy Slim, enquanto os franceses aproveitaram o bonde do sucesso e ajudaram a impulsionar o house music ao mainstream. Todos faziam parte da geração que gastou sua juventude nas pistas de dança das raves europeias do final dos anos 1980 e chegaram na maturidade com estofo para produzirem suas próprias composições.
Daft Punk e os outros Superstars DJs fazem parte da geração que gastou sua juventude nas pistas de dança das raves europeias do final dos anos 1980 e chegaram na maturidade com estofo para produzirem suas próprias composições
Se naquele tempo os queridinhos dos fãs de música eram os heróis do grunge e do indie rock, Nirvana, Sonic Youth, Smashing Pumpkins, Oasis e Blur, as primeiras notas musicais de “Born Slippy” caíram como pedra e revolucionaram a música mundial. Era 1996, e o ator Ewan McGregor acordava em uma cama ao lado de seus amigos viciados em heroína na cena final do filme Trainspotting. Ele rouba uma mala cheia de dinheiro e abandona os colegas, todos fodidos – um deles baleado –, e foge para uma vida longe das drogas.
O impacto causado pelo livro de Irvine Welsh, levado às telas por Danny Boyle, ajudou a impulsionar a carreira de quem queria viver de música eletrônica. O grito entalado na garganta de que todos tinham contra a estrutura social do capitalismo moderno ecoou forte. “O trabalho, a família, a porra da televisão gigante, a lavadora de roupas, o carro, o disco compacto e a lata de lixo eletrônica, a boa saúde, o baixo colesterol, o plano odontológico, a hipoteca, casas no subúrbio, roupas casuais, bagagem, ternos, DIY, game shows na televisão, junk food, filhos, caminhadas no parque, horários de trabalho, ser bom no golfe, lavar o carro, escolher suéteres, Natal em família, poupança, pagamento de impostos, limpeza de calhas, pensar no futuro, até o dia que você morre”, diz Renton, o personagem principal do romance, vocalizando as angústias que todos nós temos. Por que viver assim? A solução parecia ser dançar em comunhão em pistas de dança até todas as preocupações sumirem completamente.
O Daft Punk já tocava no underground francês desde 1993, e quando lançou seu primeiro álbum, “Homework”, em 1997, ainda não se apresentava caracterizado como uma dupla de robôs vinda de um futuro cyberglam. Em vez de tocar músicas que puxavam para o hard techno e para o eurotrance da época, como o Underworld, ou para o acid, como o Chemical Brothers, eles apostaram em composições totalmente fáceis para ouvintes nada acostumados com sintetizadores. “Around the World”, que teve clipe dirigido por Michel Gondry, o cineasta de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, caiu como uma luva nas tardes da MTV, seu compasso com linhas de baixo do funk norte-americano, uma repetição fácil das palavras que dão título ao som. “Burning” brincava com scratches do rap, “Alive” evocava o industrial tão característico dos anos 1980, e “Rock ‘n Roll”, bem… não tinha nada de rock na música.