ma das grandes potências mundiais, a Índia é uma nação que compõe quase 20% de toda a massa populacional do mundo. É uma região rica em pluralidade de idiomas, culturas internas, gastronomias, mitologias e conhecimentos dos mais diversos. Venho aqui abrir um atalho do Brasil até o subcontinente indiano para instigar uma revolução do olhar, para que possamos ver que há muito mais camadas sobre o que consumimos do que facilmente chega à mesa e buscar entender que é preciso ter uma visão crítica sobre o que nos é apresentado em relação às culturas que não as nossas.
Pretendo começar por mim mesma, não só por ter ascendente em leão, mas também porque sou uma das poucas indo-brasileiras nascidas e estruturadas por aqui, um retrato dentre cerca de 6 mil pessoas dessa origem espalhadas pelo Brasil.
Ser “diferente” é um negócio bem difícil. É coisificado, objetificado, com uma sensação estranha de tolerância e – quando não admirado ou exoticizado – vem com uma sensação de preguiça: melhor não aprofundar e fingir que somos iguais. Foi assim que cresci. Percebia o incômodo ao falar meu nome. Quando me apresentar não parava só ali, mas tinha que vir também com toda uma explicação. A sociedade na qual fui inserida não é tão receptiva com a pluralidade e com as diferenças. Isso fez com que, por muito tempo, tentasse apaziguar essa minha sensação de ser desconfortável com uma cooptação forçada. Simplificava meu nome a um apelido, queria ter menos pêlos, falar com os Rs acentuados, andar igual, respirar igual e rir das mesmas piadas. Vocês já imaginam onde isso deu, né? Não consegui. (Graças às Deusas)
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“Ser “diferente” é um negócio bem difícil. É coisificado, objetificado, com uma sensação estranha de tolerância e – quando não admirado ou exoticizado – vem com uma sensação de preguiça: melhor não aprofundar e fingir que somos iguais. Foi assim que cresci”
Juily Jyotsna Seixas Manghirmalani é o meu nome completo. Um trava-línguas do qual sempre brinco que, para ter esse nome e ser alfabetizada aos seis anos, era necessário um QI realmente alto. Nasci em Manaus e vim morar em São Paulo em 1997, aos sete anos de idade. Mesmo antes de conseguir me defender como ser humano, já sabia que a vida seria um pouco mais difícil para mim do que para minhas amigas paulistanas – até então, todas brancas e de classe média, com nomes e famílias “normais”, ou melhor, normalizadas como “comuns”. Eu não só era de outra ascendência, com conhecimentos diferentes dos delas, mas também com pais de origens distintas. Casados em 1989, minha mãe é amazonense e meu pai, imigrante de primeira geração da Índia. Além disso, também sou a irmã mais velha de duas outras pessoas: a mais revoltada, batalhadora, a irmã-protetora que por muito tempo acreditei naturalmente ser.
Até que, com o passar dos anos, entendi que muitos dos meus comportamentos eram, na verdade, imposições e expectativas culturais dos meus pais. Aprendi muito cedo – com vários erros e uma grande munição para vários bullyings – a negociar entre as culturas manauaras e indianas de dentro de casa, com as culturas externas, da escola e dos amigos, todos de origem portuguesa ou italiana. Engraçado, né, porque além de ter que ingressar em uma São Paulo aos sete anos, onde mais parecia que eu tinha mudado de planeta, não tem algo mais diferente do que Manaus e Mumbai, onde meus pais nasceram e cresceram. Em uma cidade, a brasileira, eu posso andar de shorts curtos e dançar até o chão na maior naturalidade; na outra, preciso me vestir toda coberta e ser a mais obediente e dócil possível. Em uma, a virgindade perde-se cedo; na outra, somente após o casamento bem selecionado. Cara, ter crescido eu mesma foi tarefa árdua e só hoje consigo compreender quantas nuances tive que aprender a negociar antes de ter papel ativo em cima.
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