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Aulas, cria!

Em um dos lugares menos democráticos do país hoje, Favela Sounds faz o festival mais acessível em todo território nacional

por Gabriela Rassy 13 set 2023 13h59
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(Thaís Mallon/Divulgação)

Uma aula real de como fazer um bom festival foi dada em Brasília. Longe do eixo sudestino e trazendo a favela para o Eixo Monumental, o Favela Sounds fez mais uma vez história. Carregando o tema “As muitas formas de narrar”, a sétima edição do maior festival de cultura periférica do Brasil veio mais uma vez com tudo e levou 30 mil pessoas para Esplanada dos Ministérios.

O line-up focado na cultura de favela não tinha as figuras que ocupam basicamente todos os palcos pelo país. O foco ali era trazer o que a periferia ouve e gostaria de ver em cena. Não à toa, o funk dominou a programação.

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(Thaís Mallon/Divulgação)

No primeiro dia, a drag queen Lia Clark fechou a programação com seu set “sem frescurinha”, botando um balé nervoso pra jogo e entoando músicas próprias e feats de sucesso. Não faltou “Sereia”, parceria com Pabllo Vittar e que abre os trabalhos do novo álbum de Lia, “CLARK (pt. 2)”.

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“Eu estou muito feliz porque quando eu comecei minha carreira musical, um dos meus maiores sonhos era ocupar grandes palcos, grandes festivais. Agora tô aqui como headliner do Favela Sounds, que é um festival que traz culturalmente a galera da periferia, da quebrada, com seu estilo, seja o rap, seja o funk para ocupar que o centro de Brasília”, conta Lia.

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(Thaís Mallon/Divulgação)

A artista encerrou o primeiro dia de programação que teve ainda a dupla Margaridas (DF), TRP.P (Canadá), MC Luanna e Tasha & Tracie (SP), além dos DJs caju (DF), Barbie Plus Size (PA/PR), Eva do Santo Amaro (RJ) e Anderson do Paraíso (MG). “É algo muito icônico porque é a nossa capital, e eu tô muito feliz porque, como drag queen funkeira, a gente se vê muito ilimitada de chegar em vários lugares. Assim, acabamos mostrando que é possível”, desabafa.

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(Thaís Mallon/Divulgação)

O funk veio com força também no segundo dia de evento, que teve na programação Deize Tigrona, uma das primeiras mulheres a botar a cara no gênero musical e falar sobre o prazer a partir de uma perspectiva feminina. “Agora eu sou uma artista independente, tô tomando as rédeas da minha arte e, conforme eu entreguei lá (na turnê na Europa), pretendo entregar aqui no Brasil, até porque é onde queremos fixar o funk. Queremos que o funk realmente seja expandido, abraçado e aceito, que seja referência para outras pessoas para dar essa continuidade. O tempo tá passando, a gente tá perdendo bastante amigos por aí. Fiquei bem abalada com isso, então é importante dar essa continuidade”, diz Deize.

“É um caos estar vivendo uma parada maneira que é conseguir essa tour pela Europa de novo, mas quando vemos que o funk ainda sofre esse preconceito no Brasil e perde essas referências que são o Marcinho e a Kátia, dá realmente essa estourada na bolha”, conta. “Vejo essa minha criação de diversidade muito importante para poder me manter. Eu tô conseguindo me reinventar em meio ao caos, então tem bastante novidade vindo”, conclui. “Há fôlego!”.

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(Thaís Mallon/Divulgação)

E há mesmo! As provas vieram logo na sequência de Deize, com os shows de Slipmami e do maravilhoso DJ Mu540 (leia-se Muzão). A programação teve ainda Clara Lima, Hate RCT, o afrobeat nos sets de V4ne MRQS (leia-se Vane Marques), UMiranda e Ketlen. O samba traz um de seus grandes representantes, Toninho Geraes, para participação em show da banda Filhos de Dona Maria, em uma homenagem à tradição do estilo no Distrito Federal.

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(Thaís Mallon/Divulgação)

Diversidade, pr’além da periferia

O Favela Sounds é uma aula de acolhimento e diversidade. Como se não bastasse trazer a cultura periférica para o centro de Brasília, com transmissão ao vivo pela televisão e pelo streaming, o festival dá um passo maior em direção à uma sociedade mais justa. Sabendo das dificuldades de locomoção na capital do país, o evento organizou 10 rotas de ônibus gratuitas indo e vindo da periferia, das cidades satélites, para o evento.

A acessibilidade total também estava na equipe, que numa base de 90 integrantes e equipe total de 250 profissionais, o festival empregou pessoas PCD e 50+, assim como instalou passarelas para cadeirantes no backstage, onde o piso era gramado. “Ouvimos as demandas das próprias pessoas com deficiência para poder investir numa estrutura que de fato abraçasse todo mundo”, contou Amanda Bittar, idealizadora e diretora geral do Favela Sounds, ao lado de Guilherme Taveres. “Quase todas as pessoas que estão trabalhando aqui têm alguma deficiência. Não é barato investir, mas vale a pena”.

Além de área e rampas para cadeirantes no evento e banheiros, tinham ali intérpretes de libras no palco – inclusive maravilhosas, entregando tradução e baile – e transmissão ao vivo. Inovando mais uma vez, desta vez o Favela tinha kits de auto cateterismo e banheiros adaptados para o procedimento, que exige bastante higiene. Também rolou distribuição de fraldas e protetores auriculares, além de cardápios em braile.

Acessibilidade, diversidade, estrutura, cultura, tudo em um só ambiente e de graça para o público. Dá para fazer? Dá. Custa, mas compensa. Espero muitos e muitos anos dessa aula de fazer festival que é o Favela Sounds.

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