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Do Heavy Baile ao Drag Race

O carioca Leandro Assis ganhou o mundo com seus letterings coloridos e estilo único. A conquista mais recente? O reality show mais amado do público LGBTQIA+

por João Barreto Atualizado em 25 Maio 2022, 19h13 - Publicado em 21 jan 2021 23h53
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(Capitular/Arquivo)

iado, sapatão, poc, bicha, racha, afeminada e várias outras expressões do pajubá compõem algumas cartelas de adesivos criadas por Leandro Assis, 29, para um projeto pessoal, em 2018. O sucesso de vendas e público que os stickers tiveram – 500 cartelas vendidas em um único dia – mostraram para o designer que confiar em sua essência e no seu jeito de fazer as coisas era a receita para continuar no caminho certo. Afinal, o universo LGBTQIA+ e suas características únicas, que sempre permearam o olhar dele, se mostraram seu maior trunfo.

Leandro Assis –
Leandro Assis – (Lebassis/Arquivo)

Leandro, mais conhecido como @lebassis nas redes sociais, é ilustrador, letterer e artista – o carro-chefe de seu trabalho é criar letras coloridas com formas diversas e assinatura única. O carioca já trabalhou com alguns grandes clientes – como Nike, Adobe, YouTube, Netflix, Avon e Melissa, só para citar alguns – mas foi em um dos trabalhos mais recentes que ele conta ter se realizado mais. São de sua autoria os letterings e outras peças gráficas que acompanham as doze drag queens no vídeo promocional da 13ª temporada de RuPaul’s Drag Race, reality show de maior impacto na comunidade LGBTQIA+, que estreou no dia 1º de janeiro deste ano. E foi exatamente esse trabalho que levou nossos olhos novamente a Leandro e rendeu o convite para essa entrevista. 

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Além de ser muito autoral e uma conquista pessoal para ele, é impossível deixar passar a importância de ter um brasileiro negro e assumidamente gay integrando um grupo com pessoas do mundo todo, comandado por um dos mais importantes estúdios de design o mundo, o Studio Moross. No nosso papo com Lebassis, conversamos sobre sua relação com o desenho de letras, seu processo em design – remontando à sua adolescência e se sedimentando como uma forte ferramenta transformadora de expressão identitária.

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“Foi através das fontes diferentes que eu via na mídia que cheguei no lettering. Eu não tinha grana para comprar as fontes que eu queria usar, então comecei a fazer lettering para tentar simular as fontes que não podia comprar”

Leandro Assis

 

Cartela de adesivos com palavras do pajubá feita por Leandro Assis em 2017 –
Cartela de adesivos com palavras do pajubá feita por Leandro Assis em 2017 – (Lebassis/Arquivo)
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A maioria dos seus projetos atualmente é de lettering, certo? Quando você entendeu que o desenho de letras seria um caminho possível para se expressar?
O início da minha carreira como designer foi muito nesse mundo de revista. Fazia parte da Galera Capricho, adorava revistas teen, voltadas para um público mais feminino. Eu me assumi gay muito cedo e encontrei nas revistas femininas um acolhimento que eu não tinha em casa. A Capricho tinha um entendimento de arte muito legal, foi a primeira vez que eu entendi o que era fonte, o que era tipografia, porque eles estavam passando por um reprojeto gráfico e falavam sobre isso na revista. No paralelo, uma prima minha tinha começado a fazer design e comecei a entender que aquilo poderia ser uma profissão. A partir das coisas que ela me mostrava, fui linkando algumas coisas que eu gostava e não sabia que era design, tipo vinhetas da MTV, coisas que até hoje são parte do meu trabalho. Foi através das fontes diferentes que eu via na mídia que cheguei no lettering. Eu não tinha grana para comprar as fontes que eu queria usar, então comecei a fazer lettering para tentar simular as fontes que não podia comprar. Aos poucos, fui vendo pessoas que faziam isso dentro do design e colocando isso mais e mais no meu dia a dia.

A primeira vez que fiz isso profissionalmente foi quando trabalhava em um estúdio aqui do Rio,e precisávamos de uma fonte que não estávamos achando. Meu chefe me pediu para tentar e eu me joguei. Hoje, sai muito mais natural, porque já vem um desenho na minha cabeça, uma coisa mais harmônica para cada peça. 

Letterings e ilustrações feitas por Leandro para a publicação Tudum, da Netflix –
Letterings e ilustrações feitas por Leandro para a publicação Tudum, da Netflix – (Lebassis/Arquivo)

A diversidade no seu trabalho está presente desde a temática que você recorrentemente aborda, como também na combinação de diferentes formas, tipos e cores. Como você faz para não repetir sempre a mesma fórmula, mas ainda assim criar unidade e autoria?
Eu vejo como um estilo meu, algumas manias que eu tenho, mas isso nunca foi estratégico. Lembro de um ponto crucial nisso: eu tive um estúdio de design chamado Relâmpago entre 2014 e 2018. Tínhamos uns 4 anos de vida, estava indo bem, mas eu acabei ficando mais pro lado administrativo, porque a gente cresceu, tinha funcionário, eu tinha que dar conta de tudo isso. Comecei a fazer para mim alguns experimentos gráficos, coisas que eu não tinha oportunidade dentro do estúdio. Acho que uma das coisas legais do lettering é ter o que escrever, ainda mais para projetos pessoais. Não sou uma pessoa que escreve tanto, que coloca as ideias para fora através de texto. Tive um insight de começar a experimentar alguns estilos de lettering com gírias, palavras como “miga”, “vibes”. Fui fazendo sem compromisso e alguns amigos começaram a me instigar a postar isso no Instagram – e a recepção do público foi ótima. Aí sim transformei isso em um projeto pessoal. Dividia por semana: gírias hétero, gírias gays, séries que eu gostava – como How I Met Your Mother e Girls – e postava de segunda a sábado.

“O que eu mais curti de trabalhar com RuPaul’s Drag Race foi fazer parte de uma equipe toda LGBTQIA+: das queens a quem participou da criação dos letterings. Isso foi me dando prazer a cada passo”

Leandro Assis
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Acho que foi esse processo que me levou a ter um estilo de lettering. Eu tinha pouco tempo, então tive que focar nas minhas manias que eram boas para esse lettering. Foi uma reconexão com o Leandro adolescente, o que ele queria fazer com esses letterings. E meu estilo até hoje é esse, combinar as influências da adolescência com o que eu queria dizer. Depois de um tempo, esse projeto foi crescendo e tomando proporções maiores do que eu imaginava. As pessoas me pediam para fazer camisetas – o que é bem mais complexo, precisa de espaço pra fazer, eu não tinha lugar pra estoque, tem a questão da modelagem – e aí eu decidi fazer uma cartela de adesivos: conseguiria dividir por tema e comprimir tudo ali. Lancei uma só e foi maravilhoso: fiz 500 cartelas e, no primeiro dia, acabou tudo. Na época, 2017, pouca gente estava fazendo. Foi um boom e isso me levou a outros projetos do mesmo estilo. Entendi que aquilo era o que as pessoas queriam de mim e aquilo era muito meu também, foi muito prazeroso. Os clientes da publicidade também tiveram esse papel de me dizer isso também. Encomendaram cartela de adesivos e, quando eu tentava fazer algo diferente, eles pediam que fosse do meu jeito.

lebassis_reel_2019 from Leandro Assis on Vimeo.

Acho que seu trabalho para RuPaul’s Drag Race segue bem essa linha, né?
Total. Quem me chamou para o projeto foi Kate Moross, artista não-binárie cujo trabalho sempre me impactou muito, sempre foi uma voz sobre como fazer trabalho para grandes empresas sem deixar de ser quem se é. As pessoas conseguem se identificar com a estética que Kate propõe, acho isso muito bonito. No ano passado, recebi o convite para participar desse bonde para RuPaul e foi muito interessante, porque eles tinham uma ideia muito específica, que era de fazer letterings para cada drag e, no vídeo promo da temporada, tem algumas frases que as queens dizem e a gente queriam dar destaque. Tenho um entendimento de tipografia necessário para fazer meus letterings com legibilidade legal e de um jeito que eu possa inovar em cada um. Gosto de brincar e o trabalho de RPDR foi especialmente divertido por causa disso. Foram cerca de cinco semanas fazendo e o processo de aprovação foi super rápido. Um dos pontos mais bacanas foi não termos uma referência gráfica, eles queriam que eu seguisse bem meu estilo combinado com a personalidade das drags. Também foi muito importante fazer esse projeto, especialmente esse ano, porque foi um ano de muitas incertezas. Foi um tipo de projeto que eu ainda não tinha feito, mesmo que fosse voltado para o mundo LGBTQIA+. Consegui melhorar meu estilo e vê-lo de outra forma, porque a gente tinha que fazer uns letterings que tivessem uma visão muito poderosa, fierce, à la Beyoncé. Até dentro do público LGBTQIA+, quando você vai fazer algo, vamos muito para o lado fofinho. Fugir disso foi bem interessante, me ensinou que dá pra ir para outros lugares e incorporar outras referências. o que eu mais curti, tanto por ser RPDR como por ser parte do studio Moross, é que a equipe era toda LGBTQIA+: as queens, quem participou da criação dos letterings, isso foi me dando prazer a cada passo. Também nunca fiz um projeto tão adorado, essa coisa do fandom. Fiz os letterings do clipe da Anitta com o Silva, mas ela não é uma unanimidade igual RuPaul. Foi um projeto zero sobre meu ego e, sim, sobre o que a gente poderia fazer para agradar a nossa comunidade. Se a gente não tivesse RuPaul, talvez a gente não tivesse Pabllo Vittar, a representatividade na mídia e na música. RuPaul teve esse poder de fazer outras pessoas sonharem.

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Um dos letterings criados por Leandro para o vídeo promocional da 13ª temporada de RuPaul’s Drag Race –
Um dos letterings criados por Leandro para o vídeo promocional da 13ª temporada de RuPaul’s Drag Race – (RuPaul's DragRace Promo/Arquivo)

O ritmo e a musicalidade são muito nítidos no seu trabalho – principalmente em algumas das suas fanarts mais antigas. Qual o papel da música nos seus processos de criação?
Sempre tento procurar alguns temas que são muito importantes para mim. Música me ajudou muito a me entender como uma pessoa LGBT e negra, foi através da música que encontrei uma forma de me expressar. Meus primeiros experimentos através do lettering foram com letras de música, ela conecta a gente de várias formas e eu gosto de colocar isso no meu trabalho.Não consigo trabalhar sem música, faz parte do meu dia a dia, e gosto muito de fazer trabalhos nesse universo porque acho que tem uma liberdade maior, uma liberdade para você testar algo diferente. Trabalhei muito com o Heavy Baile, já fiz algumas coisas com a MC Carol, isso foi algo que me trouxe muito uma vivência de como é trabalhar com música negra aqui no Brasil. Se você observar os projetos gráficos bonitos aqui no Brasil, são sempre voltados para ritmos mais elitistas, tipo MPB. Gosto de ver trabalhos que não tem tanto investimento por trás, mas tem um projeto gráfico pensado para chegar em mais pessoas. Gosto de me colocar nesses lugares para ver como meu trabalho pode impactar e somar para aquele tipo de projeto. Música tem um fator muito importante para mim não só pelo processo, mas uma questão também de posicionamento. Projetos de música pagam super mal (risos), mas vejo que quem trabalha com aquilo é porque gosta mesmo, ainda mais no caso da música negra. Faço meu máximo para ocupar esses lugares.

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Falando em Heavy Baile, um projeto seu que reflete muito das comunidades do Rio e da estética negra é a capa do EP deles. como foi esse processo?
A gente trabalhava com eles no Relâmpago, desenvolvíamos capas e flyers para as festas deles na época. Pegamos o cliente como um desafio, porque queríamos estar naquele espaço, colocar design onde não tinha investimento. Eu ficava muito nessa linha de frente porque via que tinha uma abertura para isso e adorava o trabalho. O Heavy Baile é um time gigante de dançarinos e produtores e vieram com o desafio da capa do primeiro álbum deles como grupo. Tínhamos pouca grana pra fazer, mas muitos insights de como comunicar isso de forma simples. Quando surgiu a oportunidade de fazer essa foto da capa, nos perguntamos: como fazer uma arte ali que surpreendesse? Tínhamos várias referências do Furacão 2000 e pensamos em escrever “Heavy Baile” como um corte de cabelo, algo muito presente nas favelas e nessa cultura de periferia especificamente do Rio de Janeiro. Foi um jeito de ter uma capa muito forte, mas com muito pouco. Esse projeto me deu muita visão de como podemos usar o design para mostrar realidade da música negra e das favelas do Brasil – especificamente falando sobre funk.

“Gosto de trabalhar com música porque quem trabalha com isso no Brasil é porque gosta mesmo, ainda mais no caso da música negra. Faço meu máximo para ocupar esses lugares”

Leandro Assis

A gente tentou ser verdadeiro nesse projeto desde o início. Desde pegar o Neguebites, alguém que vive o Heavy Baile desde o início, até a escolha do fotógrafo, o Vincent Rosenblatt, e de fazer o corte de cabelo com um dos caras que mais faz isso na Zona Oeste do Rio. A gente quis ir mais pra rua do que para o estúdio, algo muito interessante que me ensinou muito. Um dos relatos do negueba era que, quando ele cortasse aquele cabelo, talvez ele fosse parado pela polícia. O que chama a atenção é: que mensagem é essa, “heavy baile”? Ele teve essa preocupação, não sabia como seria. Se um policial parasse ele e não entendesse a mensagem, podia dar ruim. Eu tava fazendo um projeto gráfico, o da capa, e nem imaginava isso. Ainda que eu seja negro, tenho uma realidade completamente diferente da dele. Percebi o quanto ele expor isso numa capa de CD é bonito, interessante, mas tem também uma mensagem por trás, que são os entendimentos tortos de pessoas mal intencionadas. Justamente por isso que eu gosto de trabalhar com música, me traz insights que parecem não ter nada a ver com design, mas tem tudo.

Fotos da capa do primeiro álbum de estúdio do grupo Heavy Baile, que tiveram direção de arte de Leandro Assis –
Fotos da capa do primeiro álbum de estúdio do grupo Heavy Baile, que tiveram direção de arte de Leandro Assis – (Vincent Rosenblatt/Arquivo)

Pensando também nesse estilo mais fofinho/millennial no qual você se encaixa e muita coisa na internet também, como você vê questões séries e de ativismo se apropriando dessa estética – ou o contrário, na verdade?
Hoje em dia, se você não der opinião sobre algo que está rolando, você some. Pelo menos é o que as pessoas acham. Vi muito isso com o caso do George Floyd. Às vezes, a gente tem um padrão para seguir, um alcance também daquela mídia que você está colocando, da sua página ou site, e tem que cumprir determinados objetivos. É algo muito complicado, na maioria das vezes que vejo o esvaziamento acontecer, é quase sempre com um assunto muito delicado de ser tratado. É importante que as marcas se posicionem, mas tem que ser de uma maneira correta. Recebi muitas propostas assim, inclusive envolvendo o caso George Floyd, de fazer pôsteres e muita gente ficou bolada comigo porque não quis fazer. Acho que era um momento de reflexão, não queria falar nada naquela hora, queria esperar para ver o que eu poderia falar sobre. Acho que, assim, a gente consegue esvaziar menos. Ainda mais quando você tem um estilo, uma paleta de cores definidas, e coloca isso em qualquer assunto apenas para se posicionar, você acaba fazendo o contrário e desinformando as pessoas.

“É importante que as marcas se posicionem, mas tem que ser de maneira correta. Recebi propostas para fazer pôsteres envolvendo o caso George Floyd e não quis. Era um momento de, primeiro, refletir”

Leandro Assis

Tento escolher minhas batalhas e sei que não preciso estar em todos os lugares. Sou negro, LGBT, pertenço a essas caixinhas, mas não é em todo lugar que eu me sinto confortável. Às vezes, o que a gente pode fazer é dar um RT em quem falou muito melhor do que você, não precisa necessariamente se posicionar falando algo. Sou contra esvaziar qualquer discurso apenas pela estética. Essa padronização de tudo ter que ficar agradável para o olhar é perigosa. Estamos em um momento que não queremos ver mais desgraça e isso acaba virando uma válvula de escape. Tem coisas que não precisam ser bonitas, precisam só passar uma mensagem. O design é essa ferramenta que tem o poder de engajar pessoas, mas temos que ter a consciência de fazer essas artes com significado. Nos meus projetos, sempre tento entender quem está por trás daquela equipe. sempre tento escolher uma fonte que foi feita por uma pessoa LGBT num projeto LGBT, por exemplo. Se o seu processo preza por verdade, acho que é mais difícil de errar quando chega no final.

Stickers do stories do Instagram com aplicações de letterings de Lebassis com termos LGBTQIA+ –
Stickers do stories do Instagram com aplicações de letterings de Lebassis com termos LGBTQIA+ – (Lebassis/Arquivo)

Quando você sentiu a necessidade de fazer um trabalho com uma assinatura mais pessoal, sendo freelancer?
A grande diferença de trabalhar em estúdio, mesmo se fosse meu, para o momento em que estou agora é de não ter que agradar outras pessoas. Sou meu melhor amigo e meu pior inimigo, uma coisa de autoconhecimento real. Quando você trabalha sozinho, você se liberta de alguns medos. Acho que eu me escondia muito atrás de estúdios, me deparava com muito racismo, enfrentei isso desde muito cedo, aos 21 anos, quando abri o estúdio. Tinha acabado de me formar, o estúdio era quase que nosso projeto de TCC [dele e do ex-sócio], a gente estava com essa vontade. Juntamos nossos freelas e fomos tocando juntos. Naquela época, eu tinha um entendimento limitado do que eu poderia fazer com design, faltavam pessoas que se pareciam comigo que faziam as coisas que eu gostaria de fazer. Parece muito simples, mas até quando eu era sócio na Relâmpago, sentia isso. Chegar numa reunião, você e seu sócio, e acharem que você é o estagiário dele só porque você é negro. Acho que precisei passar por isso para entender que eu não preciso passar por isso. Ter um estúdio foi importante para saber com quem eu queria trabalhar e o que eu queria fazer. Comecei fazendo revista, depois site, sempre ligado à tipografia de alguma forma, brincando com algumas sessões do design. Já dirigi clipe, photoshoot, esse laboratório que o estúdio proporciona foi muito importante para mim. Aprendi que você precisa de estrutura, e pra ter estrutura precisa ter funcionário e, para isso, você precisa pegar o administrativo. Hoje, consigo fazer as coisas de um jeito mais meu e entendi o que eu gosto: participar de projetos em que consigo contribuir com ilustração e lettering. No começo, foi difícil, foi uma escolha arriscada querer sair do estúdio. Esse processo dos letterings me abriu para outros clientes. 

Qual foi a principal mudança desde então?
A grande diferença é que, hoje, eu tenho algo pra falar. Não preciso mais necessariamente de um briefing que chegue pronto, eu posso construir junto. Depois de me assumir e me reconhecer como pessoa negra, ganhei mais autoestima para colocar minha cara na frente também. Fui o primeiro palestrante negro em muitos eventos. E descobri também que gosto muito de usar minha ignorância para criar minhas tipografias. Quanto mais eu estudo, mais eu me afasto do meu jeito de fazer. Hoje, parei um pouco de estudar isso porque entendi que a minha forma de pesquisa é outra. É olhar álbuns antigos da Xuxa, buscar coisas com as quais eu me identifico. Não me conecto com Guttemberg e outros tipógrafos famosos. Lettering, tipografia e ilustração são ferramentas de expressão, a gente tem que estar livre para encontrar nosso estilo. E eu acho que só consegui encontrar o meu porque não segui muitas regras. Tá dando pra ler? Compreenderam a mensagem? Então, tá tudo bem.

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Cartelas de adesivos desenhadas por Leandro –
Cartelas de adesivos desenhadas por Leandro – (Lebassis/Arquivo)

Sente falta da vida de estúdio?
O estúdio te blinda um pouco, e isso me ajudou a chegar aqui mais confiante, mais tranquilo com meu trabalho e minha pessoa. Vejo muitos ilustradores fazendo isso, abrindo estúdio, e poucos artistas de lettering – tenho dificuldade até de achar alguém para duplar. Lettering não é tão falado nas universidades brasileiras, ainda que eu veja isso crescendo. Quem trabalha com tipografia, muitas vezes, vai para um viés muito técnico, e o meu é uma coisa mais ilustrada, não precisa ser sharp, pronto para ser colocado em qualquer lugar. Meu trabalho é uma mistura, pode ser um pouco abstrato às vezes. E sobre equipe: tento não ter exatamente pelo receio de ser pego de novo pelo administrativo. O que eu tento fazer é duplar com pessoas que têm habilidades que podem me complementar naquele trabalho específico. Este ano, quero contratar uma pessoa pra me ajudar nessa parte de lettering. Muita coisa veio, especialmente de fora, lá é muito mais quente para isso, e acho que precisaria de uma pessoa me ajudando, principalmente a pensar e a finalizar. Quero entrar pra esse lado mais educacional também, mostrar que tem mais mercado pra gente explorar por aqui. seria incrível se tivesse mais brasileiros nesse projeto de RuPaul. Acho que quero lançar um curso em 2021, para também estimular isso.

Ilustrações de Leandro sobre o universo sneaker head feitas para a Nike –
Ilustrações de Leandro sobre o universo sneaker head feitas para a Nike – (Lebassis/Arquivo)

Para fechar nosso papo: tem algum cliente ou trabalho dos sonhos que ainda não apareceu?
Trabalhar com cliente maior foi uma coisa que me deu muito medo de não corresponder às expectativas, então tentei não ter esses objetivos. Sempre fui muito mais focado na oportunidade. Hoje, por exemplo, sou apaixonado por tênis e amo fazer trabalhos relacionados a esse universo. Em 2020, consegui trabalhar com a Nike e foi um projeto dos sonhos. Tentei não focar na Nike porque acho que eu ia travar (risos). Tento focar no produto, não na marca. Queria conseguir fazer mais coisas nesse universo sneakerhead, tenho o sonho de desenhar meu próprio tênis. Aliás, estou com um projeto pessoal que é de desenhar alguns tênis, algumas silhuetas que eu gostaria de ter. Algo que eu já faço normalmente, nem sei se eu vou expor. A partir desse projeto da Nike, fiquei com muita vontade de desenhar os meus. Como meu estilo é muito simples, tive que abandonar alguns elementos presentes nos tênis da Nike e percebi que eu fui gostando disso. É aquilo que eu falei no início: eu quero contribuir com o que eu consumo, com os espaços em que eu existo.

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