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Maconha e café harmonizados são a aposta da jornalista Mônica Pupo para defender o consumo de cannabis

por Beatriz Marques Atualizado em 10 jun 2021, 16h23 - Publicado em 1 jun 2020 08h00
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(elástica//Ilustração)

ra um dia de janeiro de 2016 quando policiais invadiram o apartamento da jornalista Mônica Pupo, em Florianópolis. Depois de uma denúncia anônima, de que havia cultivo de maconha no local, eles levaram não só os dois pés de cannabis que estavam em vasinhos, como também mais de 200 pacotes de café, rótulos e embalagens da Maryjuana Coffee, marca de grãos especiais que Mônica criou e estava começando a deslanchar. “Esses pezinhos não justificavam a forma que foi feita a invasão. Tentaram pegar tudo, quadros, camisetas, livros, até itens pessoais. Me senti o ‘Pablo Escobar’ do Campeche”, conta a jornalista, fazendo referência ao famoso narcotraficante colombiano e ao bairro em que morava na capital catarinense.

Essa reportagem fica ainda mais gostosa de ler se você apertar um baseado e o play:

A tentativa de enquadrá-la por tráfico de drogas não deu certo: a acusação foi arquivada. Mas foi a primeira vez que Mônica havia sofrido na pele o preconceito que ronda os apreciadores de maconha, por mais que ela já fosse consumidora de longa data e responsável por um importante site de notícias sobre a erva: o Maryjuana. “Eu me envolvi no ativismo, frequentava marcha [a favor da maconha], mas vi que não era suficiente. E, quando buscava informações a respeito do tema, só encontrava material em inglês”, relembra o começo da “luta”. Foi assim que deu o estalo para montar o portal de notícias, o primeiro voltado para a comunicação canábica no Brasil. “Antes de começar o site, as buscas pela palavra maconha só eram redirecionadas para notícias de repreensão, de crime. E onde estavam as boas notícias a respeito da erva, de seus benefícios medicinais?”, questiona.

As buscas pela palavra maconha só eram redirecionadas para notícias de repreensão, de crime. E onde estavam as boas notícias a respeito da erva?

Mônica Pupo, empresária
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Café e maconha

Parece que o desejo por mais notícias e curiosidades sobre o tema não era somente de Mônica. O site tomou corpo e virou referência entre os consumidores: hoje, o maryjuana.com.br acumula entre 250 mil a 300 mil usuários por mês, somando suas plataformas de redes sociais. Durante o crescimento do portal, Mônica viu surgir mais uma oportunidade de negócio, não diretamente sobre a cannabis, mas sim relacionado a ela: “Quis unir minhas duas paixões, o café e a maconha. E vi o potencial de harmonização entre os dois. Tanto pela riqueza de sabores quanto pelos efeitos sinérgicos entre os canabinóides e as cafeínas”, relata. Assim, nasceu, em 2015, a Maryjuana Coffee, uma linha de cafés voltada para a harmonização com diferentes tipos da erva.

É claro que o episódio policial no ano seguinte foi um verdadeiro baque emocional para Mônica e financeiro à marca. “Fui absolvida, mas não me devolveram nada [do material apreendido]. Fora o susto, demorei um ano para recuperar o que fiz”, lamenta. E, para não haver mais nenhuma dúvida sobre o café – já que o nome, para alguns, dava a entender que tinha a erva no meio dos grãos –, Mônica refez a marca: de Maryjuana virou Mary 4:20, em 2018.

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(Juliana Frug/Fotografia)

Verdinha

Para quem não faz parte do universo dos maconheiros, o termo 4:20 refere-se ao consumo da erva e, reza a lenda, surgiu de um grupo de estudantes de San Rafael, na Califórnia (EUA), em 1971, que se reunia às 16h20 (4:20 PM) para fumar um baseado fora da escola. Pelo mesmo motivo, hoje também é celebrado o 20 de abril (4/20 para os norte-americanos) como o dia da maconha.

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Mônica aproveitou o 4:20 para ser não só a hora de dar umas tragadas, como também de tomar bons goles de café. “Enquanto a cafeína dá energia, há maconhas que relaxam muito. Assim você equaliza os efeitos”, explica. As combinações não param por aí. “Fiz um levantamento da genética da maconha e cheguei a um consenso sobre os perfis de café”, completa. O café Sativa, por exemplo, inspirado na espécie de mesmo nome, é harmonizado por similaridade: as notas cítricas da maconha vão ao encontro dos mesmos aromas no café, que passa por torra clara para acentuar a acidez. Já no Indica, o casamento é por contraste: enquanto as cepas de predominância Cannabis indica trazem notas adocicadas e frutadas, o café é mais encorpado, com toque de chocolate e leve amargor.

Enquanto a cafeína dá energia, há maconhas que relaxam muito. Você equaliza os efeitos

Mônica Pupo, empresária

Para chegar às combinações, a jornalista e empresária recorre aos fornecedores de cafés arábicas do sul de Minas e do Cerrado Mineiro e a parceiros para fazerem o perfil de torra desejado a cada produto da marca. “Felizmente, o café é legalizado e o brasileiro pode ter acesso a um grão de qualidade. Não precisamos consumir aquele pó cheio de impurezas, que eu chamo de ‘prensado’ de café”, diz Mônica, comparando à maconha de baixa qualidade. E para compor os blends Haze e Kush, que também estão na linha fixa da Mary 4:20, são usados grãos cultivados por mãos femininas da Fazenda Floresta, que fica na porção mineira da Serra da Mantiqueira. “Priorizo as mulheres, pois tanto no café quanto na maconha, o universo é muito masculino. Ainda quero conseguir fazer a torra com elas”, revela.

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(Juliana Frug/Fotografia)

Claro que a Mary 4:20 tem um público tímido em relação a outras marcas de café – a venda mensal gira em torno de 50 kg –, mas, com o mercado cada dia mais aberto para comercialização legal da maconha, as expectativas para um crescimento de vendas são altas. Surfando na onda, Mônica aproveitou para lançar recentemente um clube de assinaturas e angariar mais fãs da bebida e da erva. Quem assina o Clube do Café das 4:20 recebe mensalmente um pacote de 250 gramas de café (que varia o blend), acessórios para “cannabis coffee lovers” e outros mimos e surpresas. Uma delas foi o Illegal, café processado com sementes de cânhamo. “Infelizmente, ainda não temos autorização no país para importá-las. Vale lembrar que elas não têm efeito psicoativo”, conta Mônica, que fez o blend com sementes recebidas de presente e enviou aos associados na caixa do Natal passado. Para quem se interessou, a assinatura mensal custa R$ 64,20 (para SP, RJ, ES, MG) e cada pacote de 250 g de qualquer um dos blends sai por R$ 36 (mais o valor do frete). As compras são feitas diretamente no site.

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Questionada se não sofre medo de novas represálias, Mônica se mostra confiante. “Tenho haters, mas são mínimos. E se não tivéssemos, seria um sinal de que o negócio não está indo bem”, acredita. Mas, como precaução, a empresária não dá mais passos sem consultar advogados. “Eu quis abrir portas para negócios voltados a esse nicho. Mas sempre quis fazer da forma certa, dentro da lei.”

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(Juliana Frug/Fotografia)

No paladar

Se as cannabis sativa têm sabores mais cítricos, e as indicas são adocicadas e frutadas, o que faz com que cada espécie de maconha tenha sabores e cores diferentes são os terpenos. Componentes químicos dos óleos essenciais, eles estão presentes em diversas frutas, flores, folhas, sementes e raízes – só na cannabis já foram encontrados mais de 100 diferentes tipos. Os mais comuns são o limonelo, também encontrado em laranjas, limões e no zimbro; o pineno, que está também no alecrim, em pinheiros e no manjericão; e o mirceno, que aparece no tomilho, na manga e no lúpulo.

Com a indústria da maconha cada vez mais avançada, os produtores contemporâneos estão abusando dos cruzamentos entre strains híbridas enquanto buscam por novos sabores, teores de THC e benefícios medicinais, e, por isso, muitas vezes a classificação binária sativa/indica já não é a única determinante para a categorização de sabor – por isso o terpenos se tornaram as sensações do momento. Olha só algumas espécies que podem harmonizar com os cafés da Mary 4:20.

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Lemon Tree

Com toques herbais e um tanto apimentados, essa planta híbrida com predominância sativa tem um fundo de limão refrescante. Funciona para aliviar o estresse, a depressão e ansiedade, oferecendo altas doses de relaxamento e alegria.

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Blueberry

Uma das indicas mais tradicionais, a Blueberry foi vencedora da Cannabis Cup no ano 2000, embora haja registros de sua variedade já nos anos 1970. Com paladar completamente adocicado, lembrando o mirtilo, ela é recomendada para quem tem insônia, e também serve como anestésico para dores.

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Berry White

Cruzamento da Blueberry e da também tradicional White Widow, a Berry White tem grande predominância de limonelo nos seus terpenos, mas ainda tem um fundo das frutas negras no paladar. Medicinalmente, traz alto teor de relaxamento e felicidade.

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Afghan Kush

Lendária, essa planta é encontrada na zona de montanhas entre o Paquistão e o Afeganistão desde a Antiguidade. Acredita-se que foi através da manipulação dela que diversos tipos de haxixe, como charas e o nosso bem conhecido “pretinho”, nasceram. Potente, essa indica tem notas amadeiradas e terrosas, e um fundo herbal.

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Lavender

Um cruzamento moderno das espécies indica Super Skunk, Big Skunk Korean e Afghani Hawaiian, a Lavender é rica em cariofileno, o mesmo terpeno encontrado no cravo-da-índia, orégano, a canela e o ilangue-ilangue. Seu nome, uma referência à lavanda, é uma referência à sua cor púrpura.

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