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“As pessoas deixam de comprar roupa, mas não de fumar maconha”

A história do dealer que está fazendo a maior grana com delivery de erva durante a quarentena

por Eduardo Ribeiro Atualizado em 26 jun 2020, 12h31 - Publicado em 23 jun 2020 09h45
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(Cezar Berje/Ilustração)

Desde que a pandemia do novo coronavírus atingiu escala global, afetando a economia e as atividades comerciais de diversos setores, poucos são os ramos que não sofreram com isso. A necessidade de adotar o isolamento social para conter a disseminação da doença pegou de jeito instituições de ensino, espaços terapêuticos, academias, barbearias, armarinhos, papelarias, bares e restaurantes, casas noturnas, centros de espetáculos e esportivos, cinemas, artistas. Lojas de toda sorte de produtos “não essenciais”, além de shopping centers, salões de beleza, motoristas de aplicativo, pequenas, médias e grandes empresas… difícil é pensar em alguma modalidade de negócio que não tenha tomado um baque financeiro com essa repentina portada na cara que já dura meses. Mas, em toda crise, tem sempre alguém que se dá melhor. Supermercados, gigantes do e-commerce, sistemas de pagamentos online, operadoras de telefonia móvel e internet, bancos e farmácias, por exemplo, seguem e seguirão firmes e fortes.

Cresceu também a venda de bebidas alcoólicas. De acordo com pesquisa da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas), as vendas das distribuidoras aumentaram 38%, enquanto nos mercados o crescimento foi de 27%. Se bombou o consumo desse tipo de droga lícita, não é de se estranhar que a modorrenta “nova normalidade” também tenha alavancado a procura pelas substâncias recreativas ilícitas, como a maconha. Na Califórnia, números atestam o impulso da demanda em mais de 150% na comercialização de cannabis, segundo levantamento da empresa de pesquisa americana Headset – vale lembrar que, por lá, parte desse consumo é legalizado. A fim de evitar aglomerações, estados americanos como Massachusetts, Michigan e Illinois regulam serviços de entrega em casa, enquanto na Holanda os coffee shops, inicialmente interditados por serem considerados espaços de sociabilização, agora já entraram na lista de “serviços essenciais” do governo, de modo a boicotar a atuação do tráfico e de olho no crescente lucro da vendagem de erva durante a quarentena.

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(Cezar Berje/Ilustração)

“Logo na semana do dia 15 de março, quando a maioria dos escritórios viu que não tinha jeito, que iam ter que mandar seus funcionários para home office, a loucura já começou”

JJ, dealer
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No Brasil, embora não existam pesquisas de base para assinalar o quanto de maconha as pessoas vêm carburando desde meados de março, o paulistano JJ pode afirmar por experiência própria que, sim, o brasileiro está fumando maconha mais do que nunca. Aos 37, e com nome preservado pela reportagem, JJ abandonou, há três anos, a vida de professor de inglês para viver de delivery da cannabis para clientes de classe média para cima. E, sobretudo agora, não se arrepende da escolha. Junto com os supermercados, gigantes do e-commerce, sistemas de pagamentos online, operadoras de telefonia móvel e internet, bancos e farmácias, seu negócio anda de vento em popa. “Logo na semana do dia 15 de março, quando a maioria dos escritórios viu que não tinha jeito, que iam ter que mandar seus funcionários para home office, a loucura já começou”, conta ele. “A procura foi tanta que fiquei com meus estoques desfalcados. A galera estava querendo garantir pelo menos duas coisas nesse primeiro momento: papel higiênico e brenfa“, diverte-se.

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(Cezar Berje/Ilustração)

JJ diz que se destaca entre os traficantes comuns pelo serviço prestado. “Meu negócio se diferencia por cinco fatores: qualidade, pontualidade na entrega, discrição, apresentação e nunca deixar faltar“, decreta ele. Segundo relata, enquanto os dealers por aí tratam o usuário com ar de superioridade, chegam para entregar a hora que bem entendem, vendem beck mofado cheirando a amoníaco, embalam o fumo em pedaço de saco plástico ou papel filme e ainda são mal educados, com ele a parada é totalmente outra. Morador de bairro nobre, com aparência e porte físico de lutador de jiu-jitsu e motorista de um hatchback, o qual utiliza para fazer as entregas, garante que está sempre disponível no WhatsApp para atender aos clientes. “O serviço é assim. Tem que ser hospitaleiro e cordial, e nunca deixar o cliente no vácuo. Marcar dia e hora. Se for atrasar, tem que avisar antes. Meu produto é entregue em embalagem zip lock e dentro de um envelope pardo. Os pacotinhos são pesados e etiquetados com o nome da variedade e as gramas.”

JJ não revela sua fonte, mas diz que já fumou muita maconha embolorada ou em estado “palha” de dealers grosseiros e intimidadores nos tempos de mero consumidor. Quando chegou a vez dele, prometeu fazer diferente. “Trato os compradores do modo como gostaria de ser tratado, por isso tenho clientela fiel e de alto nível”, orgulha-se. O cardápio atual oferecido por JJ, que no momento não está mais aceitando novos clientes em sua rede de distribuição – conta com 60 compradores fixos –, inclui os seguintes itens, em quantidades mínimas de compra: Prensado, 25g, R$ 100; Colômbia Gold, 4g, R$ 100; Flor Amnesia Haze, 2g, R$ 120; Flor Tickle Kush, 2g, R$ 120; Flor Bruce Banner, 2g, R$ 120; Haxixe Preto, 4g, R$ 100; Haxixe Dry, 2g, R$ 140; e ainda existem os refis para caneta vaporizadora, a R$ 280 cada dose de 0,5ml: Cannalope Kush, Cali-O, Super Lemon Haze, Jack Herer e Blue Dream. Ele atende de segunda a sexta-feira, e a taxa de entrega sai por R$ 25. No cartão de crédito, débito, ou a dinheiro.

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(Cezar Berje/Ilustração)

Numa rotina de trabalho comum, JJ descreve que, em mês fraco, conseguia fazer R$ 20 mil em vendas. Desde o início da pandemia, com o aumento da procura, tem tirado, por baixo, cerca de R$ 50 mil. “As pessoas deixam de comprar roupa, mas não deixam de fumar maconha”, analisa. “Quem fuma, fuma todo dia. Como não ando aceitando novos clientes, tem gente que compra comigo volumes grandes e reparte com outros amigos. E quem fumava, antes desse negócio de quarentena, só quando chegava em casa no final do expediente, por exemplo, para abrir o apetite, fazer a digestão, baixar o estresse, ver Netflix e dormir de boa, agora está fumando o dia inteiro. Para mim, tem sido ótimo. Como professor de inglês os caras me pagavam R$ 4 mil de salário, chorando. Mas é claro que torço para essa situação acabar logo. Quando saio para fazer as entregas, mesmo usando máscara e álcool gel, fica aquele medo de estar se arriscando. E outra: quero voltar a curtir, poder gastar o dinheiro por aí, sair com a mina, comer fora, viajar, ir na balada e tal.”

“Quando saio para fazer as entregas, mesmo usando máscara e álcool gel, fica aquele medo de estar se arriscando. E outra: quero voltar a curtir, poder gastar o dinheiro por aí, sair com a mina, comer fora, viajar, ir na balada e tal”

JJ, dealer
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(Cezar Berje/Ilustração)

JJ observa que entrou nessa vida sem querer. “Foi mais ou menos estilo ‘Meu Nome Não É Johnny’, sabe aquele filme? A diferença é que, no meu caso, não tem aquela pilha da pressão para vender cada vez mais, e, se um dia quiser pular fora, eu pulo.” Ele conta que conheceu a “fonte” num mega festival de música eletrônica, virou cliente e, com o tempo, “distribuidor”. “O cara me ligou para contar que tinha chegado uma safra nova bem na época em que eu tinha sido demitido do trampo. Agradeci, mas disse que ia ter que ficar um tempo sem fumar, para economizar uma grana. E como já era cliente antigo, às vezes trombava o maluco nas festas e tudo, ele me veio com essa proposta. Não foi logo de primeira que eu topei. Mas, depois de quatro meses sem emprego, e de ser tratado que nem lixo numa entrevista de RH, resolvi aceitar.”

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(Cezar Berje/Ilustração)
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