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O rap é delas

Com o projeto Todas Podem Mixar (TPM), a DJ Miria Alves leva técnicas de mixagem e planejamento de carreira para mulheres interessadas no mercado da música

por Letícia Ferreira Atualizado em 2 jul 2020, 10h14 - Publicado em 2 jul 2020 10h10
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(Clube Lambada/Ilustração)

m qualquer rolê, o som da pista dá o tom de como será a noite. Quem pensa em como criar o clima certo de cada lugar, pesquisa, estuda e monta uma extensa seleção musical para trazer o que mais combina com quem está a fim de dançar. Miria Alves faz isso há 10 anos, trabalhando como DJ, discotecando e mixando em festas de hip-hop, eventos de marcas e em qualquer lugar que o baile tenha que seguir.

Essa matéria fica melhor se você der um play no som da DJ Miria Alves:

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Para ela, a profissão é hobby. Aos 12 anos, Miria começou a andar de skate pelas ruas da zona Leste de São Paulo. Descobriu o rap entre suas voltas e, desde então, nunca deixou sua influência de lado. “Vim do berço do hip-hop. O estilo se tornou minha fonte de como dialogar com a rua”, ela diz.

O universo dos toca-discos e os equipamentos de mixagem chegaram à vida dela quatro anos depois. Miria se afastou do esporte após um acidente, quando já frequentava a Rua 24 de maio, no Centro de São Paulo, pico dominado por DJs. Em uma oficina na ONG Ação Educativa, ela teve suas primeiras aulas técnicas. Ficou encantada e decidiu investir parte do dinheiro que ganhava trabalhando com telemarketing em outro curso profissionalizante. Ela tinha apenas 16 anos quando largou a profissão para trabalhar na mesma escola: “Foi quando comecei a conviver mais de perto com outros músicos e seus equipamentos, onde tive mais espaço para praticar.”

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Enquanto fazia jornada dupla como funcionária e estudante, Miria tocou em um grupo de rap e estudou turismo. Acabou conhecendo outros estilos musicais e formando sua própria identidade. “Hoje, sou uma DJ de música negra. Estou muito aberta quando entendo que aquilo vem das pessoas que foram minhas ancestrais, que trouxeram tudo isso pra cá. Toda vez que eu tenho que pensar nas minhas posturas, volto para o hip-hop, onde aprendi a lidar com esse mundo”.

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(Felipe Santos/Fotografia)

Efeito dominó

Viver de música nos bailes fez Miria pensar em outros caminhos para se manter na cena, quando os finais de semana acabam e a grana das festas não vem. Começou a dar aulas nas Casas de Cultura de São Paulo, espaços públicos dedicados ao fomento artístico espalhados pela cidade, e passou a receber mensagens de mulheres que queriam aprender as técnicas de discotecagem e mixagem que profissionais como ela usam nas pistas: “Eu fazia as oficinas e não sabia por que elas não iam. Entendi que não era por causa dos horários e nem dos locais. Faltava uma chamada só para mulheres”, conta.

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“Hoje, sou uma DJ de música negra. Estou muito aberta quando entendo que aquilo vem das pessoas que foram minhas ancestrais, que trouxeram tudo isso pra cá.”

Miria Alves, DJane

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(Felipe Santos/Fotografia)

Em dezembro de 2016, entre uma aula e outra, ela e uma amiga jornalista decidiram escrever um projeto para oferecer oficinas de mixagem apenas para mulheres. Subverteram a sigla do período de tensão pré-menstrual e criaram o Todas Podem Mixar. “Quando criei o TPM, a ideia era passar para as meninas o conhecimento que eu tinha para que elas também tivessem a oportunidade de acessar os equipamentos, como eu tive lá atrás.”

A arte de misturar músicas e criar novos formatos para elas também é o trabalho de Lorrany Caroline, 22. Garota que começou cedo nas picapes, em 2012, teve suas primeiras aulas em uma oficina na Fábrica de Cultura do Capão Redondo, na zona Sul de São Paulo, e conheceu o trabalho de Miria por conta de uma indicação da DJ Paula Fayá. Foi em uma noite no Espaço Morfeus, no Centro, quando perceberam que havia poucas mulheres na cena, e decidiram formar a dupla Beat Femme. “Depois que soube da Miria, consegui me achar e tive uma referência para me especializar mais. Conseguimos trabalhos com marcas, tocamos juntas em uma festa de final de ano de uma empresa, em 2018. Daí em diante, Miria passou muitos trabalhos para a Beat Femme”, diz Lorrany.

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É comum Miria indicar parceiras de profissão, inclusive suas alunas, para trabalhos que ela não pode pegar quando está com a agenda cheia. “Tenho uma demanda muito grande, não consigo dar conta, por isso conto com minhas alunas e outras DJs que estão no mercado. Deveria ser uma prática normal. Indico porque sei que elas estão prontas pra isso”. As alunas do TPM também têm espaço para mostrar seus trabalhos na festa mensal Todas Podem Mixar, que costuma acontecer no Mirante 9 de Julho.

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(V. Monteiro/Fotografia)

O mercado para as DJanes

Preparar mulheres como Lorrany com técnicas de mixagem e para o mercado de trabalho na música faz parte da missão do TPM. “Meu foco é fazer com que as mulheres aprendam a discotecar e consigam bons trabalhos. É isso que garante que o mercado vai dar certo”, conta Miria. Para ela, uma das dificuldades que as mulheres enfrentam na carreira é a falta de trabalho para investirem em cursos e equipamentos. Esse ambiente está em transformação nos últimos três anos, porque as mulheres estão na linha de frente de empresas, agências e festas, com a palavra final para contratar.

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“Eu formo mulheres, quero que elas dominem os line-ups. Mesmo com o crescimento das Djanes, é importante também formar, nessa e nas próximas gerações, homens que apoiem essas mulheres, criando um equilíbrio no mercado”, afirma.

Bem-sucedido, o TPM hoje dá cursos também em cidades do interior de São Paulo. As oficinas já aconteceram no Sul do Brasil, e Miria deseja levá-las para o Norte e Nordeste, para penitenciárias e até para fora do país. Por enquanto, Portugal e Angola estão entre os seus planos, abusando da conexão que os dois países têm com a cultura brasileira. Para mais informações sobre as datas das oficinas e festas, acesse o Facebook do Todas Podem Mixar.

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(Felipe Santos/Fotografia)
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