unca usei drogas. As pessoas que me conhecem e escutam tais palavras saírem da minha boca normalmente se chocam. Logo eu, que sempre gostei de discutir o assunto em rodas de amigos e geralmente sou o primeiro a brigar quando alguém começa a falar bobagem a respeito, nunca cheguei em vias de fato e o máximo que eu tive de experiência foi um cigarro que fiz de orégano, aos 6 anos, pois vi alguém na TV fumando e achei engraçado. Ao mesmo tempo em que não uso, meu círculo social quase inteiro é composto por ávidos utilizadores e, talvez para me enturmar, aproveitei minha vivência na medicina para me aprofundar no assunto e me tornar ao menos o “enfermeiro de plantão” – a enfermeira Joy de Pokemón. Para se caso acontecesse de algum amigo “emburacar” no meio do rolê (gíria para quando você entra numa bad durante o uso de Ketamina), eu conseguisse ao menos estabilizar “a gay”.
Justamente nessa premissa, uma vez publiquei no falecido Facebook, logo antes do Carnaval, uma tabelinha que mostrava as drogas que podem ser, ou não, misturadas. Naquela loucura de carnaval – saudades –, em que no começo do dia estamos todos montados e no fim dele somos basicamente uma mistura de pó (com ou sem trocadilho) e purpurina, algo que me preocupava era não conseguir chegar nos blocos da quarta-feira de cinzas com meus amigos vivos e sem aquelas ressacas fortíssimas. Assim, dei uma estudada e publiquei a tal tabela, na tentativa de que eles, pelo menos, não morressem e tivessem a mínima capacidade de me acompanhar em um dos blocos que eu mais esperava naquele carnaval (e em outros carnavais).
“Em toda essa história, uma coisa que me chama atenção é o fato de que muitas das pessoas que fazem uso de drogas não as conhecem profundamente ou entendem como elas funcionam em seus corpos. Essa é a realidade do conhecimento de drogas atualmente: a desinformação.
Em toda essa história, uma coisa que me chama atenção é o fato de que muitas das pessoas que fazem uso de drogas não as conhecem profundamente ou entendem como elas funcionam em seus corpos. Já ouvi casos de amigos que, naqueles encontros de Grindr, um dos aplicativos de encontros gay mais famosos, foram surpreendidos com um pozinho ou um comprimido e tomaram sem entender ou saber o que aquilo poderia causar. E essa é a realidade do conhecimento de drogas atualmente: a desinformação.
A discussão a respeito das drogas no Brasil é fechada muitas vezes em singulares círculos acadêmicos ou em rodas de amigos. Raras são as vezes em que tais grupos trocam informações entre si. Muitas vezes, o mundo acadêmico discute questões e possibilidades baseadas em universos hipotéticos e pouco realistas, e as nossas rodas de amigos discutem as questões a partir de vivências e erros cometidos. Aprendemos muitas vezes na sorte ou acaso que misturar GHB (droga popular no mundo gay, que, em doses mais potentes, é o famoso “Boa Noite Cinderela”) com outras drogas pode dar ruim, e o que mais me preocupa é justamente que tal sorte pode não acontecer a tempo de evitar mais uma morte no meio de uma boate.
Ver essa foto no Instagram
Por mais antiga que seja aquela famosa – e, na minha opinião, icônica – propaganda da Eliana nos anos 90 falando “Não use drogas”, parece que estamos parados no tempo, já que continuamos a repetir o tal mantra como se ele, magicamente, fosse em algum momento funcionar. O nosso atual governo, em comparação com outros países, está retrocedendo cada vez mais na política de drogas (que foi reformada e assinada pelo presidente Bolsonaro em 2019), diminuindo os investimentos em redução de danos e lidando com os entorpecentes como se o seu único problema fosse a dependência química e a solução fossem as organizações religiosas que implementam terapias de reabilitação extremamente duvidosas.