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lgumas máximas do mercado editorial: “Escritor não tem que falar de política. Política prejudica as vendas”. “É impossível lançar um livro por ano e manter a qualidade”. “Quando um autor envelhece, naturalmente a qualidade do seu texto piora”.
Quem acompanha a carreira de Stephen King sabe que essas afirmações são tão questionáveis quanto a sanidade de Jack Torrance e o amor do palhaço Pennywise por crianças (caso o leitor ainda não tenha sucumbido ao talento do escritor, os dois estão entre os protagonistas dos dois livros mais famosos do americano, O Iluminado e It – A Coisa). Um dos autores mais conhecidos e bem-sucedidos do planeta, King está vivendo um momento profissional extraordinário – e chegou aqui contrariando o que muitos consideram verdades inescapáveis do mundo editorial.
O sucesso de King – nascido Stephen Edwin King em 21 de setembro de 1947, em Portland, Maine, nos Estados Unidos – pode ser medido de diversas formas. A mais óbvia são as vendas: mais de 350 milhões de cópias dos seus cerca de 50 títulos já foram comercializadas. Todos os seus livros vão parar automaticamente na lista de mais vendidos mais importante do mundo, a do The New York Times. No Brasil, o Grupo Companhia das Letras, que o publica, fez um “relançamento” do autor no país há poucos anos, investindo pesadamente em marketing e mostrando aos livreiros os números de King no exterior. A ideia era mostrar que ele tinha potencial para atingir outro patamar. Deu certo: seus livros passaram a frequentar as listas brasileiras de mais vendidos também.
Outro indicativo impressionante do seu sucesso é o número de livros adaptados para o cinema e a TV. Não é de hoje que os personagens e as tramas de King hipnotizam produtores, diretores e atores, com suas histórias deixando marcas no universo audiovisual já nas décadas de 1980 e 1990. O gênio Stanley Kubrick levou O Iluminado para as telas há quarenta anos, em 1980, e, 14 anos depois, Frank Darabont estreou sua adaptação de Um Sonho de Liberdade, um filme pouco falado no Brasil, mas considerado um dos melhores de todos os tempos pelo público nos Estados Unidos e na Inglaterra (segundo a revista Vanity Fair, trata-se de um dos melhores expoentes do cinema guy cry). Também é pouco conhecida no Brasil a informação de que King detestou com todas as forças a adaptação de Kubrick para o seu livro excepcional de 1977. Segundo ele, o diretor não mostrou a evolução da loucura do protagonista Jack Torrance e transformou a esposa dele, Wendy, numa personagem caricata, uma “máquina de gritar”. King cancelando Kubrick? Temos.
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Nos últimos tempos, no entanto, o número de adaptações aumentou de modo sensível. No cinema, tivemos recentemente as duas partes de It – A Coisa (2017 e 2019), que quebraram diversos recordes de bilheteria e fizeram os estúdios surtarem atrás de mais conteúdo com a marca King, como Doutor Sono (2019), com Ewan McGregor, e o remake de Cemitério Maldito (2019). Já pela TV passaram as séries The Outsider (HBO, 2020), Castle Rock (Hulu, 2018), baseada em personagens de King e não em um livro específico, Mr. Mercedes (AT&T´s Audience Network, 2017) e o filme Jogo Perigoso, um (ótimo) longa original Netflix. Outras dezenas de produções estão em fases diferentes de desenvolvimento.
O êxito de King pode ser medido ainda pela influência crescente de sua obra no universo pop. O exemplo maior disso é o fenômeno planetário Stranger Things, série da Netflix com várias temporadas, que bebe descaradamente dos seus livros. Colocar personagens crianças inocentes, em fase de descobertas, para enfrentar o sobrenatural é uma das marcas registradas do autor. O Iluminado (mais o livro que ao filme), It, Doutor Sono… São inúmeros os livros dele que trazem essa configuração. E as semelhanças não param por aí: as referências pop oitentistas da série também estão nos livros, com descrições de roupas, músicas, programas de TV.
“Ver Stranger Things é ver um Greatest Hits de Stephen King. E eu digo isso como um elogio”, tuitou o próprio King. Um dos últimos livros de King, O Instituto (2019), traz meninos e meninas com poderes telepáticos sendo mantidos prisioneiros por uma organização secreta e faz o leitor ouvir a voz de King dizendo: “Vocês curtem crianças heroínas lutando com o mal? Deixa comigo que eu sei fazer isso antes de ser modinha”.
Stephen King completa 73 anos em setembro, mas a idade não vem o impedindo de lançar no mínimo um livro por ano. E não estamos falando de obras de fôlego curto: a edição brasileira de O Instituto, por exemplo, tem 543 páginas. Outsider, de 2018, que a HBO transformou em série, traz 523 páginas. Fora os livros em que ele divide a autoria com seu filho Owen, como Belas Adormecidas, de 2017, e com outros escritores, como Richard Chizmar, co-autor de A Pequena Caixa de Gwendy, do mesmo ano.
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Vida de best seller
Outros autores comerciais americanos, como James Patterson (que King detesta), também lançam livros a toda hora (muitos deles com a ajuda de times de ghost writers), mas a qualidade é altamente irregular. Já King tem conseguido combinar uma produção quase frenética com histórias envolventes, personagens cativantes e o texto delicioso de sempre. Tem algo de sobrenatural no meio, os fãs mais empolgados podem dizer. Os críticos não chegam a tanto, mas os elogios não são poucos. “Através da sua longa carreira, King se comprometeu com a noção pétrea de que histórias importam, que elas ajudam a entender a nós mesmos e o mundo que habitamos. ‘O Instituto’, cheio de ódio, tristeza, empatia e, sim, esperança, reitera esse compromisso com uma força que não diminuiu”, cravou o The Washington Post.
Outsider também impressiona pela maneira com a qual o mestre do terror navega suave e assustadoramente entre os gêneros policial e terror, esbarrando na tragédia grega. Ainda que em princípio o sobrenatural seja a força motriz por trás da maioria de suas tramas, os livros de King na verdade são sobre a nossa jornada contra o pior de nós mesmos: a violência, a ganância, o preconceito, todos os impulsos anti civilizatórios que vêm ganhando força, sobretudo nos palácios do poder, nos últimos tempos. Pennywise, o palhaço infernal e assassino de It, sua obra-prima máxima, é a personificação de todos os assassinatos e estupros cometidos por homens comuns em décadas na cidadezinha que ele aterroriza. O assombrado Hotel Overlook, de “O Iluminado”, é alimentado pelos vícios e crimes dos seus donos e frequentadores.
Não é de se espantar, portanto, que Stephen King não se furte a condenar e criticar publicamente quem colabora, direta ou indiretamente, com essa cruzada contra a civilização. Mesmo quando o alvo de suas críticas é o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ou uma empresa de tecnologia bilionária como o Facebook. Nessas horas, King não recorre aos seus livros e sim ao Twitter, onde quase seis milhões de pessoas o seguem. “Donald Trump: o homem é um idiota. É quem temos no comando durante essa crise: um idiota”, tuitou ele quando o presidente americano ainda negava a ameaça que o Coronavírus representava para os EUA. Bem antes disso, Trump já havia bloqueado King no Twitter. Em fevereiro deste ano, King anunciou que estava abandonando o Facebook, afirmando que não estava confortável com “a maré de falsa informação permitida nos seus anúncios de políticos”. Mestre do terror. E do bom senso.
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